Purgatório

Eu sei que vivo no purgatório porque todos os dias há uma mãe que chora a perda dos seus filhos na Faixa de Gaza. Essas mães (e os seu filhos, maridos, cunhados e irmãos, família mais ou menos próxima) vivem no mais próximo de um Inferno que eu consigo imaginar. Sem água potável, sem ajuda alimentar ou entrada de medicamentos, em constante terror provocado pelos ataques indiscriminados e injustificados do exército israelita. Tentando acalmar os seus bebés em tendas inundadas pela chuva que cai impiedosamente ou nas ruínas de um qualquer edifício onde esperam estar protegidas.
Eu vivo num purgatório doloroso porque vejo crianças desmembradas todos os dias, mulheres e homens gritando depois de perderem toda a sua família, médicos exaustos em hospitais destruídos, multidões em desespero à espera de um saco de farinha, histórias de quem passou a beber a água da chuva e a comer a relva que encontra - e não posso fazer absolutamente nada. Não é possível enviar mantimentos, manifestações não significam nada em face de um exército impiedoso que tem o apoio de tantos países - quem salva aquelas pessoas?
Eu compreendo a retaliação inicial, afinal houve um acontecimento que espoletou tudo o resto e era necessário não ceder a terroristas. Mas isto a que assisto dia após dia, toda a dor daquela gente e o rasto de destruição deixado por este conflito fazem-me esquecer da justiça ou da inevitabilidade da reacção inicial.
Para mim, o purgatório é este sítio de sofrimento diário, esta radicalização absolutamente obrigatória de alguém que vê uma população a desaparecer sem entender as razões para tanto ódio. É perguntar-me múltiplas vezes ao dia: como posso eu encontrar felicidade nas pequenas coisas quando há alguém a viver sob a constante ameaça de drones e bombardeiros, sob o jugo de um país que controla comida, a energia, as deslocações de um povo inteiro?
Este texto foi escrito para responder a um desafio que partilho com algumas pessoas que admiro nesta internet, em que escrevemos sobre o mesmo tema todas as semanas. Esta semana escrevemos sobre purgatórios mais ou menos literais:
a Carla n’A curva - Purgatório
a Rita no Boas Intenções - Purgatório
a Maria João n’A Gata Christie - Purgatório
a Calita no Panados e arroz de tomate - Purgatório
a Mariana no Gralha Dixit - Purgatório
a Joana n’O blog azul turquesa - Purgatório
a Helena nos Dois Dedos de Conversa -