Três da manhã. Rebolo na cama, tentando manter à porta todas as minhas preocupações actuais. Repito cenários catastróficos, muitas vezes absurdos e sempre imaginados até o meu corpo parecer implorar para dormir. A gata mais pequena está deitada sobre as minhas pernas: esquiva-se o dia todo às nossas festinhas mas parece que tem sempre que dormir colada a mim. Do quarto dos miúdos, silêncio. Não sepulcral, que eles estão vivos e bem vivos, mas aquela doçura das respirações quase imperceptíveis. Eu sempre colada à ponta da cama, que há uma certa pessoa que é - como dizer? - muito espaçosa. Quatro da manhã. Quatro e meia, cinco e o meu cérebro parece que vai rebentar a qualquer momento. Pensar cansa, catastrofizar cansa muito mais.
* toca a música Desdobrar no meu telefone *
Normalmente, isto quer dizer que são sete da manhã. Nunca deixo o despertador tocar mais do que os segundos absolutamente necessários para a minha mão o desligar. Sinto alívio e terror simultaneamente: por um lado, finalmente é hora de acordar, encarar o dia, ocupar-me com as nossas rotinas, trabalhar e não ceder a pensamentos intrusivos; por outro, sei que vou ter que carregar este dia às costas com poucas horas de sono no saco, correndo o risco de aí por volta da hora de almoço já não estar capaz de nada.
Nem sempre fui assim: antes de ter filhos, eu ia dormindo mais ou menos bem. As preocupações eram poucas, a vida era mais fácil do que eu imaginava na altura, as contas pagavam-se facilmente, o mundo era um sítio menos estranho. Mas depois aconteceu-me uma gravidez, no longínquo ano de 2010, e eu nunca mais fui a mesma. Os desconfortos da gravidez acabavam com a minha qualidade do sono (lembro-me que na gravidez da A. tinha dores horríveis nos ossos e articulações abaixo da cintura e de como era difícil às vezes até andar) mas o pior foi depois de nascer cada bebé. O primeiro berrava como se o estivessem a matar, odiava dormir e passava grande parte do dia cheio de cólicas - só o pai o conseguia adormecer, os meus nervos estavam todos esfrangalhados. A segunda dormia em intervalos demasiado curtos: parece que dormia 15, 30 minutos e voltava a acordar e eu não conseguia recuperar nenhum sono perdido com este padrão do sono. Ao terceiro, as coisas tornaram-se mais difíceis apenas por acumulação: ele acordava durante a noite e a irmã também e lá tinha eu de ir ver dela com ele ainda a mamar.
Dei de mamar aos três. Foi uma escolha consciente mas também uma das razões para que o meu sono talvez nunca mais tenha voltado ao normal, o que quer que isso seja. Todos mamaram on demand, sem horários nem esquemas, era quando choravam e precisavam de uma maminha, quer tivessem passado 3 horas ou 10 minutos. E não foi só a amamentação que mudou com os nascimentos deles: o meu detector de problemas (ela está a respirar? ai, que ele não pode dormir de costas! então mas ele hoje não acorda?) nunca mais desligou e, por isso, o meu sono é tão leve que uma mera brisa nas persianas é razão para eu acordar.
Portanto (acabei de o perceber agora), eu gosto do despertador. Eu não preciso de despertadores a cada 5 minutos porque vou acordar (e levantar-me) à primeira. Acho que nunca na minha vida me aconteceu adormecer por não ter ouvido o despertador, o meu sono é demasiado leve para isso. Eu meço o meu sono todos os dias e sei quão esquizofrénicos são os meus períodos de sono e quantos minutos (pouquíssimos!) tive de sono profundo. O despertador é a minha deixa para emergir do mundo dos terrores que é a minha cabeça (sonhos com o fim do mundo davam para mais uns posts…) e voltar à banalidade da vida. Obrigada despertador por me salvares todos os dias do mundo das trevas! (Menos nas férias, vá).
Este texto foi escrito para responder a um desafio que partilho com algumas pessoas que admiro nesta internet, em que escrevemos sobre o mesmo tema todas as semanas. Esta semana escrevemos sobre despertadores:
a Carla n’A curva - Despertador
a Rita no Boas Intenções -
a Maria João n’A Gata Christie -
a Calita no Panados e arroz de tomate - Despertador
a Mariana no Gralha Dixit -
a Joana n’O blog azul turquesa -
a Helena nos Dois Dedos de Conversa -